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O BANCO DO ESTADO DO PARANÁ, O BANESTADO AOS OLHOS DE UM MENINO*



Sou funcionário do Banco do Estado do Paraná, o Banestado, desde maio 1986, quando lá entrei num programa que o Banco tinha de assistência a menores aprendizes. Eram dois programas na verdade: um administrado por uma instituição que se chamava FAMA - Fundação de Amparo ao Menor Aprendiz e o outro pelo qual passei a fazer parte dos quadros do Banco que era o Instituto de Assistência ao Menor, o IAM/Guarda mirim.


Em rápidas palavras o IAM/Guarda Mirim era uma instituição que atendia menores carentes e oferecia a eles uma formação que, além da disciplina e algumas noções paramilitares como ordem única, respeito em cadeia hierárquica, também proporcionava aulas de caligrafia, datilografia e auxiliar de escritório. Após essa formação inicial, as jovens meninas e meninos eram encaminhados para as diversas empresas parceiras do governo no estado do Paraná na colocação desses menores acima dos 14 anos, no mercado de trabalho. Para a época essas duas instituições eram fundamentais para a vida desses menores, que muitas vezes sem perspectivas, se apegavam a essas chances.


No meu caso, a minha história de vida se liga ao IAM e ao Banco do Estado do Paraná, o Banestado, porque tive que ir ao encontro do IAM/Guarda Mirim pelo fato de ter ficado desamparado na vida pela perda do meu pai, que havia falecido no ano de 1984 em decorrência de problemas cardíacos. Na época eu tinha somente 14 anos de idade e minha mãe já havia falecido três anos antes, vítima de hepatite adquirida por infecção hospitalar.


Pelo fato de não ter parentes em Curitiba, acabei sendo acolhido por uma professora, na verdade que havia sido minha professora no primário a professora Elisabete Miriam Kohler e que em certo momento, quando eu vendia pastéis para ajudar no orçamento doméstico, dentre vários lugares em que eu passava a vender pastéis, sua casa era um deles. Ela sempre se demonstrava solícita e determinada a ajudar a que terminassem os pastéis para que pudesse voltar para casa. Este pequeno artigo é mais um espaço em que lhe faço essas referências, por que ela foi importantíssima em minha vida e ainda hoje o é! Quando fui por ela acolhido, as condições iniciais de seu suporte sempre fora para que eu continuasse a estudar. E a aproximação com o Instituto de Assistência ao Menor tinha esse, entre outros motivos, que era me dar condições objetivas de sobreviver, focar no meu desenvolvimento escolar e me preparar para a vida.


Ao passar o período de formação interna na Guarda Mirim, até a formatura e encaminhamento para o emprego foram quatro meses. Aí chegou à hora de “escolher” o lugar onde eu iria trabalhar. Eu tinha uma referência: meu irmão, aos 15 anos, ainda quando meu pai era vivo, tinha sido encaminhado pela FAMA a um emprego no Banestado. Essa experiência dele havia me incentivado a querer muito trabalhar no Banco do Estado do Paraná. E como dizia, após a formatura na Guarda Mirim veio à indagação sobre as oportunidades de trabalhado, qual seria a minha escolha. Disponibilizaram-me duas possibilidades: uma trabalhar na Cidade Industrial de Curitiba, numa empresa chamada BOSH ou de poder trabalhar no Banestado. A influência das histórias do meu irmão mais velho fez com que eu escolhesse o Banestado sem pestanejar. Aliás, era o banco que pretendia disputar com os outros guardas mirins, caso fosse necessário.


Junto com o início do trabalho no banco, veio também na escola os primeiros contatos com o movimento estudantil. Eu passei a fazer parte da direção do grêmio estudantil. O que me permitia ter uma opinião mais consciente e coletiva do papel do Banco do Estado do Paraná como instituição pública, que servia ao povo paranaense. E eu como guarda-mirim estava contribuindo com esse papel.


No final dos anos oitenta do século passado, o Banestado passou a contar com o desenvolvimento tecnológico que o sistema brasileiro de bancos constituído naquele período, com informações e as inovações tecnológicas da época. Ainda nesse período o meio de comunicação mais usual no banco era o telex e o telefone, ou seja, a comunicação entre as agências se dava, essencialmente, por troca de telegramas e telefonemas. Também era o auge da burocracia do papel, tudo dentro do banco se dava por correspondência, papéis, documentos que precisavam ficar arquivados por tempos, mas as técnicas de arquivamento eram muito rudimentares. Enfim, os processos de automação mais acelerados começavam a dar os primeiros passos.


Mas as mudanças decorrentes da utilização das novas na tecnologia viriam acompanhadas pelas transformações sociais e econômicas em todo o mundo também começa a enfrentar ofensiva do neoliberalismo e a volta da crítica filosófica liberal ao processo da concentração de serviços e atuação de diversas áreas nas mãos do estado.


Esse processo de desestatização chamado Consenso de Washington, reunião de um grupo de pensadores do capitalismo que soltaram sua volúpia em reduzir o papel do estado em diversas áreas, inclusive no papel que era desempenhado pelos bancos estaduais. Ou seja, a política de entrega do patrimônio nacional que havia começado pela entrega das siderúrgicas nacionais, como CSN, Usiminas, e depois pelas mineradoras como Vale do Rio Doce, dentre tantas outras.


Os processos de mudanças nos bancos brasileiros faziam com que eles apresentassem projetos de bancos múltiplos, que reuniriam as empresas em holdings e o Banestado entrou na onda da construção dos bancos públicos. E iniciou um processo de unificação de suas empresas através de concursos públicos internos, para que seus funcionários passassem a ser funcionários de um mesmo CNPJ, mesmo em partes dos bancos que atuavam em áreas diferentes. Talvez, aí já estivesse sendo colocada implicitamente em prática a lógica de juntar todas as atividades dos bancos, para que juntos, mais enxutos, pudessem ser colocados nas listas de privatizações.


A Direção Geral do Banco ficava no Centro Administrativo, o CEAD, que era conhecido como conglomerado do Banestado, onde se localizava a direção geral de diversas empresas que se espalhavam pelos diversos blocos, entre eles a Banestado Serviços Gerais, a BABS, Banestado Informática, a BISA – dentre outras que constituíam o Banco Múltiplo do Banestado.


Comecei a trabalhar lá aos 15 anos como office-boy (Guarda Mirim) no Departamento de Arrecadação, o DEPAR e a partir dele eu me relacionava com diversos departamentos dentro do conglomerado e tinha contato com todo o papel social que o Banestado desenvolvia. Claro que também por influência pela minha já militância estudantil eu vislumbrava no Banestado um importante instrumento de desenvolvimento do Estado, de possibilidade de ascensão das pequenas empresas e também do financiamento dos trabalhadores do campo.


Esse papel social que o Banestado desenvolvia, ao contrário dos bancos de mercado, fazia com que eu me orgulhasse de trabalhar no banco e trazia forças para lutar para continuar trabalhando no banco depois que passasse o período de alistamento militar obrigatório para todos os jovens que completavam 18 anos. Depois de mais de dois anos trabalhando no DEPAR, passei a trabalhar no Serviço de Medicina do Trabalho do Banco, o SESMET, que era composto à época por três médicos, três enfermeiras, três psicólogas e três assistentes sociais e um técnico do trabalho, departamento esse que era obrigatório por imposição das Normas Reguladoras. Lá no SESMET fiquei até o alistamento militar. Quando esse período chegou, em 1988, eu tive que sair do trabalho para me alistar, mas logo após a dispensa do serviço militar voltei a trabalhar no banco através de recrutamento público que o banco fazia.


Nesse ínterim, enquanto aguardava ser chamado, comecei a trabalhar para sobreviver, como ajudante de um engenheiro civil, que era casado com uma das psicólogas.


Volto a trabalhar no banco depois da seleção pública, que me permitiu entrar na Banestado Informática, a BISA, agora como digitador em um horário fora do horário comercial, que era das oito horas da noite até às duas horas da manhã. Esse turno tinha suas dificuldades, mas facilitava a minha militância partidária e estudantil. No contexto das lutas sociais estava aparecendo à questão da disputa de projeto de sociedade colocado entre duas opções: uma conservadora, que queria que o poder continuasse concentrado nas mãos das oligarquias; e outra avançada, que soprava com os ventos da social democracia européia.


A primeira vinha com o projeto de entregar todas as riquezas e propulsores de riquezas como eram os bancos estaduais fomentadores do desenvolvimento regional. Em contrapartida com a visão que descrevia um estado forte e presente na vida das pessoas e das sociedades.


Essas duas visões seriam colocadas à prova com as eleições de 1989. Onde as condições objetivas e a coalizão de forças oligárquicas penderam muito para a vitória das forças conservadoras, expressa em um produto da política que se apresentava como caçador de Marajás, puro marketing da manipulação política que imperou para que vingasse o projeto privatista no Brasil e, consequentemente, nos estados brasileiros pela próxima década, que seria o apogeu dos privatistas de plantão.


O governo Collor começou o projeto de entrega do Brasil, que foi continuado pelo próximo presidente eleito do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, que tinha entre seus patrocinadores os principais bancos e banqueiros. Ou seja, era um governo comprometido com a concentração do sistema financeiro nas mãos de poucos bancos privados. O governo FHC, privilegiando os bancos privados, anunciava para os bancos estatais que os entregaria ao ganancioso capital financeiro nacional e internacional. E o pior é que os modelos de privatizações no Brasil são os mais perversos do mundo, porque não põe em primeiro lugar a preservação dos empregos. Não, a prática é de enxugar, demitir e deixar as empresas e bancos que serão privatizados prontos para atrair os possíveis compradores.


No final dos anos noventa nas proximidades da virada do milênio, eu completava uma década de trabalho. Eu, aquele menino que entrara deslumbrado para trabalhar no Banco do Estado do Paraná e que a cada ano que passava se encantava cada vez mais, ao conhecer mais e mais como o Banestado era importante para os paranaenses, assim como também para as famílias de funcionários do banco (naqueles tempos somavam mais de quatorze mil famílias).


E isso sem contar à importância que o conglomerado tinha para as famílias do entorno, supermercados, farmácias, lojas de móveis, oficinas, o comércio em geral. O Banestado era uma importante engrenagem para o desenvolvimento local. Além de que o Banco contava com um complexo de lazer e esportes para seus funcionários que era Associação Banestado, com várias sedes em Curitiba, no litoral e no interior do Paraná.


A minha vida dentro do banco, mesmo nos tempos da Banestado Informática, sempre foi de aproximação da organização dos trabalhadores, afinal eu era oriundo da militância estudantil e assim que entrei no banco uma das primeiras ações, inclusive junto com a minha contratação, foi me filiar ao sindicato, na época o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados o SINDPD. Após a incorporação da Bisa ao Banestado, em 1992, o Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região assume os filiados das empresas incorporadas.


No mesmo ano o Comando Nacional dos Bancários passou a assinar a Convenção Coletiva Nacional dos bancários, ao mesmo tempo em que tentávamos resistir às primeiras grandes privatizações de siderúrgicas nacionais e da Vale do Rio Doce. E nesses tempos alguns bancos estaduais começam a ser entregue, o primeiro deles fora o Banco do Estado do Rio de Janeiro, o BANERJ. O que deixou os bancários de banco estaduais do Brasil inteiro preocupado com a ameaça de privatização.


Infelizmente a sociedade paranaense cedeu ao poder da mídia e se curvou à entrega do Banestado para o Itaú. Eu acabei seguindo, o que para mim entendia como natural, o caminho das lutas sindicais. E nesse caminho observei meus sonhos e expectativas de menino com relação ao Banestado irem embora com milhares de mulheres e homens banestadenses que em pouco tempo perderam seus empregos, seus sonhos, assim como o Paraná perdeu seu norte de desenvolvimento com a privatização do banco. Hoje Eu sou um dos muito poucos funcionários oriundos do Banestado que continuam como funcionários do Itaú e, isso por que continuo na resistência sindical e na luta pela volta de uma sociedade mais justa fraterna e igualitária, com bancos que entendem que devem ter papel social, como tinha o Banestado e não somente lucro.


*Esse artigo é um dos diversos artigos que compõem o livro: 1928-2000 BANESTADO - Uma História Interrompida. Livro lançado em função do 20 anos da entrega do Banco do Estado do Paraná, o Banestado. Escrito como processo histórico de reflexões sobre as estatais e os bancos públicos que ainda existem e cumprem importante papel social e precisam ser defendidas! Pode ser adquirido junto Às entidades que produziram o livro ou ser lido virtualmente no endereço: https://www.bancariosdecuritiba.org.br/files/1135/livro_banestado_completo_v4.pdf

Marcio Kieller

Presidente da CUT/PR e Mestre em Sociologia Política pela Universidade do Paraná

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