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Luto – Um movimento de luta pela própria vida


...Não sei em exato, o que me acomete. Já são quase 6 (seis) anos que meu pai partiu do nosso lado, para um local que eu prefiro acreditar que exista. E ele tem passado ainda com maior frequência pelos meus pensamentos, do que anteriormente.


A agenda do consultório ocupou-se de sentimentos diversificados pela perda de familiares e amigos contaminados pelo COVID-19. Talvez seja uma das primeiras vezes, que eu tenha tantas horas dedicadas por aqui, para acolher e ouvir aqueles que continuam a lutar pelas próprias vidas, em um sentimento antagônico sobre do que delas se perdem.


Meu pai faleceu de câncer em novembro de 2015. Chorei por várias vezes, quando sabíamos do avanço da doença. Até o dia em que nos disseram que mais nada poderia ser feito, a não ser esperarmos dentro dos cuidados paliativos, que ele partisse. Foi neste dia, que senti que me anestesiaram por inteira. Porque eu não conseguia mais chorar e nem expressar qualquer emoção indesejada. Foi neste mesmo dia, que eu dormia no sofá da sala na casa dele (ou pelo menos tentava dormir), pensando que seria a primeira vez que eu teria que encarar um ritual de despedida de um dos maiores vínculos emocionais que eu poderia ter na vida.


Parecia surreal. Neste mesmo instante vi o movimento a passos lentos de meu pai, passando pelo corredor, e por alguns minutos ele esticou-se lentamente em direção ao cômodo que eu estava “fingindo” dormir. Ficou ali, tentando me observar ou pensando em algo. Confesso que até hoje, fico imaginando o que ele deve ter sentido ali parado na porta da sala. É imensurável imaginar os sentimentos dele, naquele momento. Pensar que se estava no fim da sua jornada, deixando tanta coisa para trás. E ainda há quem acredite que ouvir o paciente terminal, seja bobagem. Mas simbolicamente mesmo sem palavras, acho que foi ali que ele se despediu de mim. No dia em que ligaram do hospital de madrugada, dizendo que meu pai havia falecido, fui eu quem atendeu a ligação, porque queria poupar a minha mãe. E eu não chorei. Pra aonde foi toda a tristeza, desespero e dor, que eu tinha certeza que sentiria em uma perda assim? A anestesia de muito tempo antes de sua partida construía a negação de algo aparentemente insuportável. Eu neguei. Neguei a sua perda, para me proteger, para proteger minha mãe, para proteger meu filho que nem tinha 2 anos de idade ainda. O sofrimento ficou trancafiado há sete chaves, e hoje aparece em doses homeopáticas, geralmente sempre nas noites de domingo, quando eu estou no banheiro utilizando o secador de cabelos e ouvindo músicas que me lembram dele. Vem em doses homeopáticas, quando eu me sinto desamparada e sem saber muito bem como resolver as coisas. Vem em doses homeopáticas, quando me lembro do corredor. Vem em doses homeopáticas quando olho para meu filho e sinto que não sei muito bem como agir com ele. Vem em doses homeopáticas, quando lido todos os dias com as lágrimas dos meus pacientes.


É então aí, que eu compreendo a importância de cuidar destes pacientes de duas formas: é preciso fazer sangrar e chorar no momento certo, para aceitar a realidade da perda e enfrentar as emoções do luto. É preciso também entender que podemos ser os próximos a estarmos olhando alguém ali do corredor, e que precisamos sempre reconstruir a nossa identidade e vida.

Psicóloga Fabiana Witthoeft – CRP 08/08741

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