Em solenidade, Câmara Municipal celebra Consciência Negra
Foto: Rodrigo Fonseca/CMC
Na noite desta quarta-feira (17), a Câmara Municipal de Curitiba promoveu uma sessão solene para comemorar o Dia da Consciência Negra. O presidente do Legislativo Municipal, vereador Tico Kuzma (Pros), encaminhou as atividades, destacando que essa foi a primeira sessão solene presencial realizada pela Câmara desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020.
A sessão solene foi uma iniciativa dos vereadores Carol Dartora (PT), Renato Freitas (PT) e Herivelto Oliveira (Cidadania). Cada um homenageou personalidades negras como professores, artistas e empresários que atuam de forma construtiva em Curitiba. A sessão teve a presença remota do vereador Jornalista Márcio Barros (PSD).
Kuzma destacou que além de celebrar a data por meio de uma solenidade, a Câmara também tem protagonizado avanços quanto à afirmação da identidade negra, e ele citou como exemplos a nominação de um logradouro público em homenagem a Enedina Alves, mulher negra que se formou em engenharia pela UFPR em 1945, tornando-se a primeira engenheira do Brasil. “O projeto”, esclareceu Kuzma, “será votado na terça e, no meu entendimento, faz jus à memória dessa figura fantástica que foi a engenheira Enedina. Fui aluno na faculdade de Direito do professor Sandro Luis Fernandes, aqui presente, e menciono que sua pesquisa sobre a vida da engenheira é fundamental para a compreensão da história de Curitiba”.
O presidente da Casa esclareceu que a sessão solene integra a Semana da Consciência Negra, um conjunto de ações promovidas pela Câmara no sentido de fortalecer o combate ao racismo e à violência contra negros, indígenas, ciganos e outros grupos. Dentro desta programação, ele citou a votação na segunda-feira (22), do primeiro Plano de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir). A proposta foi encaminhada à CMC em fevereiro deste ano. O intuito é consolidar diretrizes para o enfrentamento do racismo e da violência contra a população negra, indígena, cigana e outros grupos étnicos historicamente discriminados. Confira todas as atividades da Semana da Consciência Negra
Ele concluiu lembrando que entre os dias 29 e 30, será votado em plenário o projeto da vereadora Carol Dartora que dispõe sobre a reserva para população negra e indígena de vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos integrantes dos quadros permanentes de pessoal no âmbito da administração pública direta e indireta municipal.
Um dia de Luta Carol Dartora, uma das proponentes da homenagem ao Dia da Consciência Negra declarou que a data não tem por finalidade somente exaltar a beleza, a cultura e a historia da raça negra no Brasil. “Na verdade, é um dia de luta, de debate no sentido de se buscar a superação do racismo”, afirmou a parlamentar. Ela lembrou que a data faz referência à morte de Zumbi, lider negro que esteve a frente da comunidade de Palmares, local para onde se dirigiam os negros que conseguiam fugir dos locais onde trabalhavam e viviam em regime escravo. Em 1620, o local era habitado por mais de 20 mil pessoas. “Um herói da resistência negra e, mais do que isso, um herói nacional”, assinalou Dartora.
“Sou a primeira vereadora negra da história de Curitiba e, mesmo desempenhando tal função pública, me vejo em situações nas quais se torna necessário enfrentar a estrutura excludente.
Daí a necessidade de se democratizar o espaco público, garantindo a pluralidade de representações sociais, para que todas elas tenham voz no debate sobre os temas do interesse coletivo”, disse a vereadora. Para ela, a representatividade negra em todos os setores da sociedade necessariamente vai desconstruir estereótipos racistas que se verificam nos inúmeros casos de racismo estrutural e racismo institucional divulgados diariamente pela mídia.
“Enaltecer os homenageados é também enaltecer o povo negro, pois nossa história não começa no sistema escravocrata que dominou a economia brasileira por séculos. Nossa história começa na África, há milhares de anos, com dinastias que alcançaram avanços tecnológicos impensáveis para a época em que foram desenvolvidos. Exigimos respeito pois já demonstramos que conseguimos nos soltar de qualquer corrente” finalizou Carol Dartora.
Brasil de Cor Herivelto Oliveira iniciou sua fala lembrando que mais da metade de sua vida foi dedicada ao jornalismo. Explicou que durante esses anos, verificou que a política pode nao resolver tudo, mas pode criar os meios para que soluções surjam e sejam aplicadas. “Recentemente tive a honra de iniciar um mestrado na UFPR em que trato da invisibilidade negra na sociedade, em particular nos meios de comunicação, com especial interesse nos telejornais. É possível verificar que há muitos profissionais negros atuando como médicos, advogados, engenheiros, afinal, os negros representam 54% da população brasileira, mas no âmbito da comunicação o cenário é diferente”, declarou o vereador que também promove o talk show Brasil de Cor, que é transmitido em seu canal no Youtube.
“De modo geral, a presença do negro na mídia está associada a questões negativas. Na maior parte das vezes, o negro é retratada o em situações policiais ou sobre o contexto dos presídios. Nos programas de entrevista convencionais, de cada dez convidados, apenas um é negro - normalmente alguém que está, por alguma razão passando por uma super-exposição temporária”, avaliou Oliveira. “A ideia do Brasil de Cor é divulgar pessoas negras para que elas possam contar pessoalmente suas histórias, suas impressões de vida e transmitir suas experiências”, esclareceu.
Quem construiu Curitiba? O vereador Renato Freitas revelou sua imensa satisfação em fazer parte de um momento tão importante para a história da população negra em Curitiba. Ao ver todos reunidos para celebrar a cultura e a história dos negros em Curitiba, lembro que quando vim morar aqui, me deparei com uma realidade totalmente inédita para mim. Eu via símbolos nazistas escritos nas carteiras das salas de aula e também em outros locais. Um amigo, o Amaral, que está aqui hoje presente, me disse que esses sinais eram deixados por células nazistas que operavam na região. Eu acabei vendo essas pessoas racistas e cheguei a ter conflitos físicos com alguns deles. Foi por isso que me iniciei nas artes marciais: estar preparado para eventuais novos confrontos motivados por racismo.
O vereador comentou sobre os homenageados que indicou, entre eles, a matriarca Regina…, a quem agradeceu… “Devemos construir uma luta racial pelas bases, junto a pessoas como a Regina. E assim que se enfrenta uma sociedade desigual, que é regida por um estado excludente, que oferece aos negros subempregos nos quais eles serão sub-remunerados”, afirmou Freitas. Sobre Curitiba, Segundo o vereador, a situação é ainda mais complexa. “É mais arriscado (e corajoso) ser negro em Curitiba do que em outras capitais”, disse ele que também comentou a respeito de seus outros homenageados. “Quem construiu Curitiba? O sujeito cujo nome está estampado numa placa lá fora, ou os negros que ergueram as pedras que compõem edifícios como o Palácio Rio Branco?”, provocou Freitas.
Entendimento da negritude Para Marli Teixeira Leite, da Assessoria da Promoção de Igualdade Étnico-Racial da Prefeitura Municipal de Curitiba, o racismo foi uma construção social desenvolvida para justificar a manutenção de povos indígenas e negros sob o trabalho escravo. O povo negro não será dizimado, afirmou Marli. Ela explicou que a atuação da Assessoria se dá em muitos campos, como por exemplo a luta contra o emprego de expressões de cunho racista como “denegrir”, “mercado negro”, “inveja branca”, e “cabelo ruim”. “A ideia é criar empoderamento em crianças para que elas se aceitem sem problemas. Nossos antepassados viveram a escravidão, então devemos lutar por uma sociedade mais justa e com mais equidade”, disse Marli, que é a primeira mulher negra a estar a frente da Assessoria Étnico-Racial.
Dora Lucia de Lima Bertulio, procuradora da UFPR, da Fundacao Cultural Palmares e da Secretaria de Estado de Saúde do Paraná, homenageada pela vereadora Carol Dartora, destacou a iniciativa da Câmara Municipal de Curitiba que está aberta às questões e demandas trazidas pela população negra, mostrando assim um entendimento da negritude no pais. “Conclamo os senhores vereadores para que tenham uma visão para as questões da sociedade negra, sejam as cotas, sejam políticas públicas que a prefeitura deve fazer para eliminar o racismo, ainda presente em nossa sociedade”.
Sandro Luis Fernandes, professor homenageado pelo vereador Herivelto Oliveira, revelou ser descendente de Campolim de Sá Camargo, que foi escravo do Visconde de Guarapuava no século XIX. O professor mencionou que promove uma pesquisa sobre Enedina Alves Marques, a primeira engenheira civil do Brasil, formada pela UFPR, em 1945. Além disso, participo de atividades junto à Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP), ao Centro de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT) e ao Dialogar, que represento. Estas entidades discutem e promovem ações sobre negritude e resistência.
Junia Celle, professora homenageada pelo vereador Renato Freitas, disse que fala em nome das mulheres negras periféricas que são excluídas das oportunidades, “que foi o meu caso”, disse ela. A professora é uma das lideres da comunidade Joanita e e um dos nomes mais expressivos na luta pela moradia em Curitiba. “Luta que travo com muito orgulho, mas também luto pela criança que precisa enfrentar a evasão escolar, a pessoa que mora no lixão, a doméstica, a faxineira, o jardineiro. Hoje, temos jovens da Vila Joanita que conseguiram se formar, superaram as dificuldades, mas eles nao têm endereço reconhecido, conforme a Lei de Regularização Fundiária. Essa é a nossa luta”. O rapper Mano Cappu e a professor Laudy Gomes fizeram apresentações musicais.
Fonte: CMC
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