“Desde que me conheço por gente, frequentava com meu avô José Carlos e minha avó Marylena.
Os dois costumavam sempre passar no final do dia, para levar para casa, o Caruso sempre me lembrara a infância e bons momentos com meus avós! A melhor empada de Curitiba, recheio generoso e massa leve e saborosa”.
Depoimento de Nicolas Leprevost Guelmann
A relação da família Caruso com a cidade de Curitiba começou no início do século XX – mais precisamente em 1904 – quando o imigrante italiano Giuseppe Caruso mudou-se com a esposa Rosa Cesarino, grávida de Antonio Nerone Caruso, o “Nero”, seu terceiro filho, para essa cidade.
Após desembarcar no porto de Santos em 1895, com apenas 18 anos – vindo da pequena cidade de Cozenza, na região da Calábria –, passou por Uberaba, no estado de Minas Gerais, cidade na qual desposou a jovem Rosa, filha de imigrantes, e onde tiveram os dois primeiros filhos.
Alfaiate de profissão, Giuseppe ficou desapontado com seu terceiro filho, agora jovem, que resolvera ganhar a vida como ajudante de confeiteiro. Nero Caruso, nascido em Curitiba, começou logo cedo a trabalhar com grandes mestres da confeitaria e tornou-se especialista em doces e salgados pequenos, os quitutes e acepipes. Tendo chegado à maioridade, Nero – como ficou sendo conhecido – resolveu partir para o Rio Grande do Sul para tornar-se um mestre e para conquistar sua independência.
Com o dinheiro que tinha, conseguiu chegar apenas até a cidade de Rio Negro, na divisa do Paraná com Santa Catarina. Lá, teve que fazer pequenos bicos para conseguir dinheiro.
Como era hábil com todo tipo de alimento, não foi difícil arranjar emprego e, com o tempo, desistiu da ideia de ir mais para o sul, estabelecendo-se então naquela localidade.
Jovem atraente e de boa pinta, logo começou a flertar com a Srta. Erna Victoria Wittig, filha do dentista da cidade, o imigrante alemão Dr. Paul Wittig. Logo se casaram e tiveram o primeiro filho, Nerino Caruso, conhecido como “Bábi” e, seis anos depois, em 1932, Enrico Caruso, o caçula – homônimo do famoso tenor e que, para uns poucos, era conhecido também como “Nêne", aproveitando o apelido do irmão.
Seo Nero havia construído um bom nome, sempre associado à gastronomia, e tornou-se proprietário do “grande” bar da cidade.
Depois de um incêndio que destruiu quase todo o seu patrimônio, em 1939, foi ao Rio de Janeiro para buscar o dinheiro do seguro e, na volta, decidiu restabelecer-se em sua cidade natal (Curitiba) com a família recém formada.
Como seu nome já era conhecido por essas bandas, inaugurou, com o dinheiro que havia resgatado, um estabelecimento chamado Barcarola – misto de bar e restaurante e um reduto da boemia – no bairro do Juvevê. Recebeu então, alguns anos depois, a proposta de administrar o bar e restaurante do Cassino Ahú, onde ficou até abrir seu próprio estabelecimento na Praça Ozório (em frente ao conhecido Bar Stuart, ainda não inaugurado na época) que, por causa da II Guerra, foi batizado com o americanizado nome Bar O.K. (era o melhor que uma família de alemães e italianos poderia fazer).
Mais tarde, com a experiência adquirida no Cassino e com o dinheiro que havia poupado, resolveu ir para Guaratuba abrir um Cassino próprio, mas não deu sorte e, por ironia do destino, o jogo foi proibido logo no início da empreitada. Tendo perdido novamente quase todas as suas economias, acabou ficando por lá.
Com o tempo, Nero e Bábi fundaram, naquela aprazível região litorânea, o bar e restaurante Media Luz (com ênfase na entonação grave do “e”).
NASCE O CARUSO EMPADAS
Nessa mesma época, Enrico Caruso, tendo dado baixa do serviço militar, começou a trabalhar com a família. Conheceu então a curitibana Gladis Heidmann, neta de alemães e italianos, com a qual se casou em 1954.
No mesmo ano, tendo adquirido capital suficiente, voltou para Curitiba e abriu, no agora conhecido endereço da Rua Visconde do Rio Branco, a Mercearia Caruso, à qual logo se juntaram os pais de Enrico, Nero e Erna, já aposentados, mas que na cozinha, junto com Dona Gladis Caruso, continuaram a deliciar as papilas de seus clientes. Passados alguns anos da inauguração, Enrico e Gladis tiveram duas filhas, Sylvana e Rosana Caruso.
No começo, a Mercearia Caruso vendia de tudo. Produtos como salames finos, presuntos, queijos dos mais variados tipos, enlatados e embutidos eram encontrados apenas naquela pequena casa. Enrico orgulhava-se em dizer que, juntamente com o mestre Nero, ensinou gerações de curitibanos a apreciar produtos das mais variadas origens e gêneros, coisas que não faziam parte da dieta da maior parte da população. Em meio a essa infinidade de produtos, algumas especialidades – de fabricação própria – começaram, quase sem querer, a se sobressair. Sorvetes cremosos feitos com o mais puro leite e ingredientes naturais, “apfelstrudell” (strudell de maçã), sonhos feitos com nata batida na hora e, é claro, as empadas de massa folhada, desenvolvidas por Nero.
Conta a história que Enrico Caruso, jogador eventual de bolão (um tipo de boliche com apenas 8 pinos e uma bola com 2 furos), pediu ao pai que preparasse alguns salgados para levar ao jogo. Nero, até hoje não se sabe se por um lampejo de genialidade ou se pela simples falta de outro tipo de massa, resolveu prepará-las com massa folhada. O sucesso foi imediato e logo elas passaram a ser vendidas na Mercearia. Nascia aí uma tradição genuinamente curitibana.
A qualidade de tais produtos tornou-os notórios, os carros-chefe da Mercearia, que ainda mantinha sua vocação de delicatessen.
Nesses anos todos, muitos personagens ilustres passaram por aquelas portas na certeza de encontrar sabores maravilhosos e inusitados. Políticos como Moisés Lupion, Paulo Pimentel, Bento Munhoz da Rocha, José Richa, Parigot de Souza, Jaime Lerner, Roberto Requião, Rafael Greca de Macedo e tantos outros senadores, deputados, vereadores, diretores, professores, artistas, atores, empresários... Tradicionais famílias e ilustres desconhecidos.
Essa miscelânea de personalidades que frequentaram e frequentam a Caruso talvez também se deva ao fato de não tomarmos partido sobre qualquer assunto que seja, principalmente os polêmicos, como política e futebol.
Com o tempo, os produtos típicos de uma mercearia foram desaparecendo, tendo seu espaço tomado pelas especialidades da casa, principalmente as empadas (e também pela concorrência que começava a surgir, nos supermercados e afins).
Foi assim que, tendo enxugado sua gama de produtos para ficar apenas com os doces e os salgados, na década de 80 a Mercearia transformou-se numa Confeitaria. Uma confeitaria, sim, mas diferente de todas as outras, pois não fazia bolos ou outras coisas mais comumente associadas a essa atividade. Tratava apenas de fazer aquilo que fazia bem, e construiu assim um diferencial.
Como alguns problemas de interpretação do gênero “Confeitaria” eram inevitáveis, a casa terminou por adotar simplesmente o título “CARUSO” que, pela tradição construída ao longo do século, transformou-se em um gênero particular de negócio. Uma “Casa de Empadas”, mas não somente...
Nos anos 90, produtos que satisfizessem a necessidade de pessoas que procuravam uma refeição balanceada e de qualidade fizeram com que a empresa adotasse o almoço executivo. Esses pratos feitos, de grande qualidade, supriram a deficiência das empadas e demais salgados (quibes, coxinhas, pastéis e rissoles) no horário do almoço dos curitibanos.
Acabaram por se tornar, também, especialidades da casa.
Com a inauguração do ParkShopping Barigüi, em 2003, surgiu a oportunidade de abrir a primeira loja licenciada da Caruso Empadas. Com o grande sucesso desta loja, o Caruso passou para a segunda etapa do projeto, a expansão e aperfeiçoamento do negócio.
Durante o período entre 2003 e 2018, o Caruso concentrou-se na expansão por franquias, chegando a ter 7 lojas durante esse período.
Após 2015, por causa da crise econômica, as unidades que vendiam menos acabaram por fechar, e embora vendesse muitas empadas, em dezembro de 2018 a loja do ParkShopping Barigüi também acabou por encerrar as atividades.
2019 foi um ano difícil para o Caruso. Após o fechamento das unidades franqueadas, a única loja que continuou a funcionar foi no tradicional endereço da rua Visconde do Rio Branco, 877.
Relato de Guilherme Caruso -Neto de Enrico Caruso
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