Foto: Marcelly Leminski e Marcio Kieller
Discutir política de gênero não é uma tarefa fácil, principalmente nos tempos atuais em que vivemos nítidos retrocessos nas políticas afirmativas que vinham sendo desenvolvidas pelos governos democráticos e populares de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Vana Rousseff.
Essas políticas que estavam no caminho do resgate histórico de tudo que a sociedade devia ter feito há tempos no Brasil e não fez.
Sabemos que não se muda um contexto histórico de débitos com as mulheres por parte de uma sociedade machista e patriarcal por séculos implementada em poucos dias. Porém, o período dos governos democráticos e populares se esforçou em fazer isso nos 13 anos que estiveram à frente do governo central a partir de 2002 com inclusão e aumento das mulheres nos espaços políticos e nas esferas de decisão, com democratização dos espaços políticos, com a criação de políticas concretas e afirmativas de participação das mulheres. Essas ações procuraram mudar o que estava estabelecido culturalmente de que homens são cabeças de casal, que mulheres não poderiam trabalhar fora, que menino brinca de carrinho e que menina brinca de boneca. Enfim, todo o entulho cultural que prendia-se nessa visão reacionária e conservadora da sociedade.
Claro que esses avanços na política de gênero acontecem de uma forma muito mais aprofunda no governo de Dilma Rousseff, mas mesmo no governo Lula, as ações foram tomadas neste sentido, com a criação da Lei 11.340 de sete de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Uma lei sem precedentes na história do Brasil, que passa a punir de fato aqueles que cometem violência contra as mulheres. Mas com o governo Dilma à representação a ocupação de espaços se aprofunda com as inaugurações de diversas Casas
Da Mulher Brasileira pelo país. Essas casas são centros de excelência em atendimento e execução de políticas públicas para as mulheres. Políticas que muito irritam os conversadores e reacionários que ainda subsistem nos extratos sociais brasileiros.
Em março, temos especificamente no dia 8 de março, que é o Dia Internacional da Mulher. Porém, para além do dia em si, o mês de março passa a ser um mês de importantes reflexões e atividades políticas de gênero, por meio das quais a sociedade tem buscado construir uma sociedade onde homens e mulheres compartilham democraticamente dos mesmos espaços sociais e políticos de poder e, acima de tudo, os espaços familiares onde deve prevalecer as relações compartilhadas entre homens e mulheres, dividindo as tarefas domésticas, de administração da casa e nos cuidados com as filhas e filhos.
O desgoverno Bolsonaro de uma forma geral e totalmente desastrada, também nessa área dá enormes passos em direção a esses retrocessos históricos que vinham sendo gradativa e afirmativamente colocados na ordem do dia dos governos democráticos e populares. Não somente como política de governo, mas, sobretudo no intuito de abrir nos corações e mentes o debate em uma sociedade onde as mulheres são a maioria da população brasileira.
Também as mulheres passaram a ser mais numerosas em muitas categorias e ramos de atividades profissionais como no ramo financeiro e no ramo de serviços, enfim, em diversos espaços da sociedade que eram áreas majoritariamente ocupadas por homens. O que torna imperativo que a sociedade como um todo se encaixe nesta nova realidade, que traz em si a necessidade do sepultamento por completo do machismo estrutural e cultural, que ainda encontra ecos fortes em determinados setores da sociedade.
Esse esmagador machismo estrutural traz uma dificuldades ainda maiores para emancipação feminina e isso é deixado bem claro pelo desgoverno de Bolsonaro na sua forma de fazer política, em um governo que se tem uma ministra da mulher e dos direitos humanos como Damares Alves, que deveria representar a mulher brasileira, feminista, trabalhadora e independente, mas ao contrário disso apenas reforça o estereótipo da mulher do lar, submissa. Uma grande demonstração disso é a sobrecarga que muitas mulheres tem tido. Isso se agrava ainda mais nesse período de pandemia de coronavírus, em que além de trabalhar e cuidar dos filhos têm os afazeres domésticos que muitas vezes não são divididos com seus companheiros, que não sentem esse dever de ajudarem nas tarefas de casa. Por isso a importância de um governo que dialogue com a sociedade nas causas sociais, como a de gênero. Pois Bolsonaro não tem uma postura de chefe de Estado que dialoga com seus cidadãos, ele dialoga somente com os seus fanáticos e age politicamente para eles, excluindo a maior parte desta população onde uma maioria dela são mulheres.
Além do peso da dupla jornada em casa, muitas mulheres vêm sofrendo com algo muito maior, o aumento de casos de feminicídios e violência doméstica em casa. No pico do isolamento social, houve um aumento de 22% nos casos de feminicídio. Apesar de o desgoverno Bolsonaro sancionar a lei n° 14.022 que facilita o atendimento as vítimas, ela não serve de nada, pois, por outro lado, o desgoverno Bolsonaro investe apenas 4,4% dos recursos para combater os crimes e a violência contra as mulheres, isso afeta estruturalmente os avanços de luta das mulheres. Isso faz com que o desgoverno Bolsonaro demonstre bem esse desprezo à mulher e a falta de empatia no combate à violência doméstica, quando declara que feminicídio é, nas palavras dele um “mimimi”, como declarou também em relação ao combate à pandemia.
E ao afirmarmos que sob a égide do desgoverno Bolsonaro existe um toque de Midas às avessas, ou seja: em tudo que toca só desconstrói, desmancha, desorganiza, acaba, retrocede, descontinua. Isso não é diferente na política para mulheres em seu desgoverno que vem sendo cotidianamente desde seu início sendo desconstruída.
Nesse sentido, é fundamental participarmos efetivamente das agendas de atividade e debates apontadas para o mês de março pelas mais diversas entidades e organizações, pois como dissemos acima a questão de extrapola o dia 8 de março em si, e tem a necessidade imperativa de estar constantemente em debate na sociedade, principalmente avançando nas conquistas de espaços para as mulheres em todas as esferas, principalmente nas esferas de discussão e participação e decisão política.
Levando em conta essa perspectiva, precisamos nos debruçar sobre os problemas ainda gritantes que existem em termos de índices de violência de gênero na sociedade dos dias de hoje e que voltam a se agravar consideravelmente pelo descaso do desgoverno Bolsonaro, como: o aumento dos casos de feminicídios e da violência contra as mulheres, as diferenças salariais entre o mesmo trabalho desenvolvido entre homens e mulheres, algo inaceitável nos tempos de hoje. Ou seja, os impactos da pandemia de coronavírus que se abateu sobre o mundo todo e também sobre o Brasil têm atingido principalmente as mulheres que voltam a ser as principais vítimas dentro de suas próprias casas e, para além disso, as consequências são piores e se desdobram pela ampliação da dupla jornada, pois além de terem que cuidar de casa e dos filhos, têm ainda que amargar salários menores para tarefas iguais. Não que esses problemas não existissem antes da pandemia, temos clareza e consciência que existiam, mas a visão conservadora e reacionária do desgoverno Bolsonaro e suas ações na desconstrução das políticas de gênero, inclusive por sua ministra de mulheres e direitos humanos, que por suas falas toscas, buscam desqualificar todos os avanços das políticas afirmativas de gênero que se alcançou na sociedade até o início do desgoverno de Jair Bolsonaro, a partir de 2018.
A luta de classes é o que norteia nossos princípios. Ela é a nossa referência de luta e de organização, é através dela que conseguirmos desencadear de forma mais efetiva e organizada esses importantes debates na sociedade como: debates de gênero, de raça, de orientação sexual, de implementação de políticas públicas e programas sociais que levaram a abrir espaços para mulheres, negros, por mais de uma década nos mais diversos campos da atuação e da organização social. Sem nunca perder o norte da construção de políticas afirmativas onde se constatam avanços consideráveis durante esse período anterior ao desgoverno Bolsonaro.
Esse mês março jamais terá outro igual. Porque além de estarmos imersos na resistência a essa pandemia mundial de coronavírus, não podemos deixar de destacar a importância política que esse mês tem para que no futuro possamos construir uma sociedade calcada na igualdade entre homens e mulheres, onde prevaleça à lógica da democratização dos espaços políticos e organizativos e de decisão. Deixando para trás, e se possível no lixo da história, todo esse legado maldito de misoginia, de violência física, moral e psicológica contra as mulheres, ou seja: todo o machismo estrutural que ainda impera em nossa sociedade e que ganha força com a ascensão política, que esperamos que seja interrompida nas próximas eleições, ou mesmo antes delas com a sociedade tomando ciência de quanto mal este desgoverno Bolsonaro tem feito ao povo. E que povo o tire de lá através de um processo de impeachment no Congresso Nacional, pois sua postura política é de extrema direita, totalmente ignorante, imbecil, negacionista e genocida que faz com que as mulheres sejam as que mais sofram nesses tempos atuais de pandemia de coronavírus.
Infelizmente esse é o março de 2021, mês que historicamente nos resignamos sobre o que ainda falta avançar no que tange a política de gênero, constatamos que demos enormes passos para trás. E só podemos reafirmar que o que nos conduzirá novamente no campo do desenvolvimento de políticas públicas que coloquem nos eixos na luta pela igualdade entre homens e mulheres, em defesa da vida e da ciência, com a luta pela vacina para todos, através de uma política de valorização do nosso Sistema Único de Saúde, que mesmo violentamente atacado no sentido do seu desmonte é a única alternativa logística de vacinação em grande escala.
Viva a mulheres, no mês de março e em todos os demais dias do ano. Viva a construção de uma sociedade democrática, justa, fraterna e igual entre homens e mulheres, na vida e no trabalho.
Marcelly Leminski – Estudante de Relações Internacionais da Universidade Positivo
Marcio Kieller – Presidente da CUT/PR e Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná - UFPR
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